Terapeuta Ocupacional e o Cuidador

Cuidar quem Cuida

A realidade do envelhecimento populacional não é novidade em Portugal. Somos um dos países da Europa com maior indíce de envelhecimento, e o surgimento da quarta idade é uma realidade cada vez mais comum. Embora este progresso seja, à partida, um sinal de desenvolvimento económico e social, rapidamente se pode traduzir numa perda de qualidade de vida se não soubermos acompanhar as necessidades que daí podem advir. Os sistemas Social e de Saúde nem sempre conseguem dar resposta às crescentes necessidades da população envelhecida, sendo cada vez mais comum a família assumir-se como resposta, ficando o idoso a cargo de um cuidador informal.

O papel muitas vezes inesperado do cuidador informal é mais do que um trabalho das 9 às 18. Sem supervisão, este encargo pode facilmente consumir a vida do cuidador não preparado para as dimensões associadas aos cuidados necessários ao bem estar do idoso. O desgaste físico, com a falta de descanso e com os esforços associados aos cuidados prestados, é frequentemente acompanhado por desgaste psicológico, com o surgimento de dificuldades em dar resposta a outras ocupações e obrigações de diferentes contextos de vida, por falta de tempo ou por preocupação e sentimento de obrigação constante perante o idoso. Além disto, a proximidade familiar entre ambos pode gerar momentos de conflito e frustrações, pelo que o acompanhamento nas fases de adaptação e continuidade de cuidados é essencial para ambas as partes. O cuidador informal deve ser objecto de cuidado e atenção perante a equipa de saúde multidisciplinar que acompanha o idoso, como recetor de educação, mas também de cuidados.

O terapeuta ocupacional, como parte desta equipa, estuda o ser humano como ser ocupacional, em todas as suas dimensões. Essa visão holística permite compreender o que pode comprometer o desempenho ocupacional e potenciá-lo, com estratégias reabilitativas ou compensatórias. O terapeuta ocupacional é uma peça essencial no processo educativo do cuidador, explicando o impacto que a patologia pode ter no desempenho do idoso ao longo do tempo, e permitindo à família preparar-se para os cuidados necessários no momento presente e futuro. Passa pelas suas funções discutir estratégias para cuidados mais eficazes, felizes e adequados a cada situação.

Uma das vertentes muitas vezes desconsiderada pelo cuidador não acompanhado e sensibilizado é a própria autonomia do idoso, esquecendo, em nome do conforto e descanso, que a inatividade é muitas vezes o fator causador de mais problemas de saúde. É compreensível o cuidador querer proteger o idoso do que parece desconfortável ou trabalhoso, mas é importante frisar que o ser humano é um ser ocupacional, e esta é uma realidade importante para manter a dignidade e o equilíbrio em todas as suas dimensões.

O terapeuta ocupacional deve sensibilizar o cuidador para esta realidade e dissipar as suas inquietações, aconselhando e treinando com o mesmo estratégias e adaptações para diferentes atividades do dia-a-dia, que permitam o desempenho do idoso e o mínimo de sacrifício possível para o cuidador. Em muitos casos a realização completa da atividade não é possível, mas ao compartimentarmos a mesma e direcionarmos o desempenho para uma tarefa específica, potenciamos a dignidade e a independência do recetor de cuidados. Além dessa estratégia, a utilização de tecnologias de apoio para atividades de educação e lazer, por exemplo, também se  traduzem em qualidade de vida para o idoso e seu cuidador, por se sentir capaz de responder a outras necessidades do seu ente querido.

Os cuidados devem ser muito mais que a satisfação de necessidades básicas, e cabe-nos a todos a responsabilidade de pensar e refletir o papel do cuidador na sociedade, como peça fundamental do sistema social, a quem deve ser facultado o acesso a formação e acompanhamento de modo a prestar cuidados dignos e com qualidade.

Rita Sousa

Terapeuta Ocupacional

Estágio Profissional