
IA na Terapia Clínica: Apoio Digital ou Ilusão de Cuidado?
-
-
IA na Terapia Clínica: Apoio Digital ou Ilusão de Cuidado?
-
-
-
-
Apoio Digital ou Ilusão de Cuidado?
-
-
-
4 de setembro, assinala o Dia Nacional do Psicólogo, uma data que celebra o reconhecimento público da profissão e a importância da intervenção psicológica na promoção da saúde mental. Num mundo cada vez mais digitalizado, torna-se urgente refletir sobre o crescente recurso à Inteligência Artificial (IA) como substituto da terapia convencional.
-
-
-
- Comecemos com uma breve reflexão:
- Quando foi que começámos a aceitar, quase sem questionar, que uma máquina pudesse ocupar um espaço tão íntimo nas nossas vidas? Que nos acompanhasse nas horas de maior vulnerabilidade, que nos orientasse nas decisões mais pessoais, que nos oferecesse consolo — mesmo sem sentir?A verdade é que a Inteligência Artificial tem vindo a conquistar milhões de utilizadores em todo o mundo, assumindo o papel de confidente digital. Está presente nas nossas rotinas, nas nossas dúvidas, nos nossos momentos de solidão. E embora ofereça respostas rápidas e disponibilidade constante, é preciso perguntar: até que ponto essa companhia é genuína? E o que estamos a perder ao trocar o vínculo humano por uma simulação algorítmica?
A popularidade dos chatbots terapêuticos, disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem filas de espera ou constrangimentos, é inegável. A promessa de companhia constante e respostas imediatas é tentadora. Contudo, importa distinguir entre apoio digital e intervenção psicológica. A terapia não é apenas um conjunto de técnicas aplicadas a sintomas — é um processo relacional, ético e intencional, onde a escuta ativa, a construção conjunta de sentidos e a aliança terapêutica são pilares fundamentais.
Chatbots podem simular empatia — mas não a sentem. Podem reproduzir estratégias terapêuticas — mas não as ajustam às subtilezas emocionais de cada pessoa. Não realizam anamnese, não interpretam linguagem não verbal, nem compreendem o contexto pessoal, histórico ou relacional do utilizador. São ferramentas úteis, sim, mas limitadas pela ausência de vínculo humano e pela incapacidade de ler o que não é dito.
Perante quadros clínicos como ansiedade, pensamentos depressivos ou projeção de comportamentos agressivos, a resposta da IA tende a ser genérica, superficial e repetitiva. Falta-lhe a capacidade de explorar o que está por detrás do sintoma — o predisponente, o contexto, a dor silenciosa. Como se trata de um algoritmo matemático, a resposta automática a uma dada pergunta será sempre a mesma, independentemente de quem pergunta, das suas motivações, frustrações, medos ou vivências.
A IA não reconhece o silêncio como espaço terapêutico. Não acompanha o ritmo emocional do outro. E, sobretudo, não constrói sentido — apenas o simula.
A questão não é se a Inteligência Artificial pode ajudar — ela pode, e já ajuda. A verdadeira preocupação reside em saber se estamos a formar uma geração dependente de uma ilusão de suporte. Uma geração que, em vez de procurar vínculo humano e escuta genuína, se refugia numa ferramenta que simula cuidado, mas não o oferece de forma autêntica.
Entre os principais riscos desta substituição estão:
-
- Enviesamento algorítmico: os modelos de IA aprendem com dados históricos, o que pode perpetuar preconceitos, excluir contextos minoritários e reforçar desigualdades já existentes.
- Caixa negra: a complexidade dos algoritmos torna difícil compreender como chegam às suas decisões. Não seguem regras humanas explícitas, mas reprogramam-se autonomamente, o que levanta sérias questões éticas.
- Falta de transparência: os dados dos utilizadores são frequentemente utilizados para fins comerciais ou para treino algorítmico, muitas vezes sem o devido consentimento ou compreensão por parte do utilizador.
O acesso permanente a estas ferramentas, sem qualquer estrutura relacional ou ética, pode criar vínculos utilitaristas — relações baseadas na conveniência, e não na transformação. Paradoxalmente, essa disponibilidade constante pode resultar em maior solidão, passividade e estagnação emocional. A pessoa deixa de ser desafiada a mudar, a refletir, a crescer.A intervenção psicológica tem como objetivo central a promoção da autodeterminação e da autonomia. O terapeuta não valida automaticamente — questiona, confronta com empatia, ajuda a construir sentido.
Já a IA, por ser manipulável, pode oferecer ao utilizador exatamente aquilo que ele quer ouvir, reforçando crenças disfuncionais e comportamentos prejudiciais. Em vez de encaminhar para a solução, confirma o sintoma. A IA fornece, portanto, uma ilusão. Tal como a estimulação elétrica muscular pode dar a sensação de movimento sem desenvolver força real, a IA pode simular apoio sem promover mudança verdadeira.
Em jeito de conclusão, deixo uma provocação para reflexão: mais do que o maior terapeuta do mundo, a IA é o maior simulador de terapia do mundo.
Neste Dia Nacional do Psicólogo, deixamos um apelo claro: se reconhece em si sintomas de psicopatologia, procure ajuda especializada, no seu Hospital de referência, Casa de Saúde São Mateus. Cuide de si com quem cuida verdadeiramente — com quem escuta, compreende e caminha consigo no processo de cura.
-
- Regresso à escola e ao trabalho sem stress
- Verão é sol, mas também cuidado
- Síndrome do Túnel Cárpico: O Impacto Funcional e o Papel da Terapia Ocupacional
- Semana Mundial do Aleitamento Materno – 1 a 7 de agosto
- Não é Atleta? Tudo bem… Ser saudável não exige ganhar medalhas
- Respire melhor, viva melhor.
- Porque ninguém nasce ensinado… nem os pais
- O Poder da Comunicação Digital ao Serviço da Saúde
- Psicologia – Quando a Pessoa está no Centro
- Hospital Casa de Saúde São Mateus, reforça compromisso com os cuidados continuados no IX Encontro da ECR Centro
Sara Moitinho, Psicóloga Clínica
Hospital, Casa de Saúde São Mateus (CP 15895)
Últimas Notícias
Pretende esclarecer alguma dúvida?
-
-