O Relógio Silencioso do Leite Materno: Sono, Ritmo e Amamentação – 29 de setembro a 5 de outubro

    1. O Relógio Silencioso do Leite Materno

    1. Sono, Ritmo e Amamentação

 

        1. Semana Portuguesa do Aleitamento Materno de 29 de setembro a 5 de outubro

     

      1. Durante a Semana Portuguesa do Aleitamento Materno — celebrada anualmente na 40.ª semana do ano — é tempo de recordar que o leite materno é muito mais do que nutrição. É um fluido vivo, que comunica com o corpo do bebé de formas que a ciência só agora começa a desvendar. Uma dessas formas é através do que hoje chamamos crononutrição — a noção de que o leite materno carrega consigo pistas sobre a hora do dia em que é produzido.

     

    1. O que a investigação nos diz é surpreendente: o leite materno muda ao longo do dia. De manhã, por exemplo, tem níveis mais altos de cortisol — uma hormona associada ao estado de alerta — bem como minerais e aminoácidos que ajudam a manter o bebé desperto e ativo. À noite, por outro lado, o leite contém substâncias que favorecem o relaxamento, como a melatonina (a hormona do sono), o triptofano (precursor da serotonina e da melatonina), além de outros compostos que promovem um ambiente mais propício ao descanso.

      Estas variações naturais acompanham os ritmos circadianos da mãe — o chamado “relógio biológico” — e ajudam o bebé a desenvolver o seu próprio. Ao nascer, o bebé ainda não tem um ritmo sono-vigília estabelecido. Os sinais do mundo exterior — como a luz do dia, as rotinas e o contacto físico — são essenciais para que esse ritmo se desenvolva. E o leite materno, ao refletir o tempo do corpo materno, torna-se um mensageiro privilegiado entre o mundo interno da mãe e o recém-nascido.A isto chamamos zeitgebers — “dadores de tempo”. A luz solar, a atividade física, a temperatura ambiente, o toque e a alimentação são alguns dos sinais que ajudam a sintonizar o relógio interno do bebé. Quando o leite materno transmite esses sinais, está a contribuir não só para o sono, mas para o desenvolvimento neurológico, metabólico e emocional.

      Mas tal como há promotores do sono, há também disruptores. A exposição a luz artificial à noite, o uso excessivo de ecrãs, a falta de exposição à luz natural durante o dia, o ruído ou o stress podem interferir na produção e transmissão desses sinais — tanto na mãe como no bebé. Estudos sugerem, por exemplo, que bebés mais irritáveis podem ter um atraso no estabelecimento do seu ritmo circadiano, e que a qualidade do sono materno também influencia este processo.

      Sabemos também que os bebés amamentados tendem a consolidar o seu ritmo sono-vigília mais cedo do que os que são alimentados com leite artificial. Isto deve-se, em parte, ao facto de o leite materno conter sinais biológicos adaptados ao momento do dia, que o leite artificial não reproduz.

      Mais do que uma curiosidade científica, esta descoberta reforça a importância da amamentação como processo natural de regulação do corpo e das emoções — um compasso interno que guia o bebé nos seus primeiros meses de vida.

      Mas é importante não transformar esta informação em mais uma exigência para os pais. Não se trata de estabelecer regras rígidas, mas de compreender que cada mamada, oferecida em livre demanda, carrega em si não só alimento, mas também orientação, conforto e tempo.

      Neste outubro, ao celebrarmos o aleitamento materno, reconheçamos o seu papel silencioso e fundamental na construção de um sono saudável, de um corpo ritmado e de um vínculo profundo entre mãe e bebé.

 

Dra. Inês Santos

Coordenadora da Unidade de Pediatria da CSSMH